sábado, 5 de novembro de 2016

As contas anuais dos 4 poderes da democracia


O Estado português é uma república constitucional semi-presidencial, sendo que em Portugal existem quatro Órgãos de Soberania: o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais.
Considerando o papel fundamental destas entidades na democracia portuguesa, cumpre verificar, no âmbito de intervenção deste blog, a transparência e o rigor colocados na prestação das contas anuais de cada uma.

Preparem-se para ficar surpreendidos (ou talvez não)! 

A Presidência da República

Acedendo ao site da respetiva secretaria geral em sg.presidencia.pt podemos consultar o separador “Conta de Gerência” para constatar a aparente disponibilidade do Relatório e Contas Anual deste Órgão de Soberania. Desenganamo-nos ao clicar nos respetivos links que nos levam para uma página do diário da república na qual constam apenas o balanço, a demonstração de resultados e a demonstração dos fluxos de caixa. Nada de anexo ou sequer relatório de gestão. Nada de surpreendente. Relativamente à (suposta) fiscalização das contas, consta apenas o relatório do Tribunal de Contas respeitante à Auditoria às Contas de 2014 (que não é bem de fiscalização das contas mas mais de avaliação do sistema de controlo interno). Apenas convém citar o parágrafo 74 do mencionado relatório: 

“O relatório e a conta de gerência da PR, depois de aprovados, são enviados pelo Chefe da Casa Civil ao TdC e, posteriormente, a conta deveria ser publicada no Diário da República, acompanhada do respetivo acórdão do TdC o que antes de 2013 nunca aconteceu.” (!!!)

Quanto às contas em si, tomando como referência as de 2015, apraz verificar a saúde financeira e económica da entidade, decorrente naturalmente do elevado valor recebido do Orçamento de Estado (14,78 M€ em 2015), situação que se deve manter em 2016 considerando o relevante aumento do valor orçamentado (16,35 M€). Quanto aos encargos, destaque para a relevância dos gastos com o pessoal na ordem de 10,56 M€, respeitantes a 155 funcionários (conforme o Balanço Social), o que equivale a um gasto médio de cerca de 68 mil euros por funcionário. Cada cidadão, por favor, que compare estes valores com as demais referências europeias. 

A Assembleia da República 

Acedendo ao site em www.parlamento.pt podemos viajar pelo separador “Gestão do Parlamento” e depois “Orçamento e Conta de Gerência” para chegar ao arquivo dos documentos de prestação de contas. Surpreendentemente, à data, o último “Relatório da Conta de Gerência” disponível respeita a 2014. Se quisermos porventura consultar as contas de 2015 podemos aceder ao respetivo Parecer do Tribunal de Contas, que emite no seu parágrafo 38 opinião acerca da fiabilidade das contas, conforme se cita:
“As contas foram apresentadas nos termos das Instruções do TdC aplicáveis (cfr. Anexo 10) e, tendo em conta os resultados das verificações efetuadas, refletem, em todos os aspetos materialmente relevantes, as operações da AR efetivamente realizadas.” 


Quanto às contas em si, tomando como referência as de 2015, apraz verificar outra entidade central da nossa democracia com rica saúde financeira e económica, também decorrente naturalmente do elevado valor recebido do Orçamento de Estado (57 M€ em 2015), que se vai manter em 2016 conforme o respetivo orçamento. Quanto aos encargos, destaque também aqui para a relevância dos gastos com o pessoal na ordem de 42,19 M€, respeitantes a 340 funcionários (conforme o Balanço Social), o que equivale a um gasto médio de cerca de 124 mil euros por funcionário. Conferidos e reconferidos os cálculos… dá mesmo isto. 

O Governo 

Depois de consultar todos os separadores do site www.portugal.gov.pt não foi possível encontrar as contas da entidade. Não sei se são publicadas ou não. Só posso dizer isso mesmo, infelizmente. Nem sequer o Balanço Social para aferirmos o número de funcionários da entidade. É este o melhor exemplo que se pode dar ao país em termos de transparência e rigor na prestação de contas. Depois, não nos podemos queixar do resto. 

Tribunais 

Em primeiro lugar, o Tribunal Constitucional que, à semelhança do Governo, não publica no respetivo site (www.tribunalconstitucional.pt) as contas anuais (como se pode constatar no separador “Instrumentos de Gestão”). Impressionante. Mas surpreende num aspeto - revela o mapa de pessoal, que informa a existência de 92 pessoas ao serviço da Instituição em 2015.

Em segundo lugar, o Tribunal de Contas, o “auditor interno” geral do Estado, que atendendo à função que exerce e ao facto de centralizar na sua plataforma eletrónica a prestação de contas das entidades públicas, deve certamente cumprir os critérios de transparência e rigor na prestação de contas. É assim com grande entusiasmo e esperança que visitamos o site www.tcontas.pt e vamos ao separador “Recursos Humanos e Financeiros” para constatar… que não há nada de novo. Nada de contas anuais. Mas temos o Balanço Social que nos informa que estiveram 408 funcionários ao serviço da Instituição em 2015.

Em terceiro lugar, já desanimados certamente, visitamos o site do Supremo Tribunal de Justiça (www.stj.pt) e consultamos o separador “Relatórios anuais” para confirmar a coerência de práticas instituídas. Zero de contas. Está disponibilizado o habitual Relatório de Atividades no qual podemos aferir que a Instituição teve 141 trabalhadores ao seu serviço em 2015. 

Finalmente, o site do Supremo Tribunal Administrativo (www.stadministrativo.pt), que nada tem para nos oferecer. Simples.

Assim recomenda-se a leitura do artigo deste blog [link] acerca do novo normativo de contabilidade para a Administração Pública que (à partida) vai entrar em vigor em 1 de janeiro de 2017. Ainda tenho sérias dúvidas se é mesmo desta, porque passar do 8 para o 80 não é para todos.

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